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Writer's pictureRui Marques

Três palavras para um Homem Bom



Morreu o nosso melhor amigo. Mas não é só isso. Partiu o P. António Vaz Pinto, uma das figuras mais relevantes da sociedade portuguesa nas últimas décadas, seja na vida da Igreja que serviu e amou, seja na política de acolhimento de imigrantes, que revolucionou enquanto Alto-Comissário, passando também por tantas outras realidades que criou e animou, dando vida ao seu desejo de tudo cumprir “Para a maior glória de Deus”. Esta era a face pública deste gigante. Mas ainda mais importante, foi o que representou para tantos que acompanhou, ouviu, consolou, iluminou e animou. Para todos esses, entre os quais nos incluímos, é tempo de dar graças a Deus pela sua vida e por tudo o que representou para cada um de nós.

Escolhemos, para falar dele, três palavras que configuram o que nele víamos, como exemplo e como referência.


O P. António tinha, na sua vida, uma verdadeira pedra angular: a sua fé. Numa forma muito bonita, contava a História de Deus com ele, afastando de si qualquer mérito pessoal dessa relação. Para ele, esse encontro de fé era dádiva. Mostrava sempre como, ao longo da sua vida, se foi deixando encontrar por Deus, nas três Pessoas da Santíssima Trindade, que se tornava(m) presente(s), sempre e em tudo. Como, na sua experiência de fragilidade humana, tinha encontrado sempre a resposta do Amor infinito, incondicional e transformador que Deus representava, mesmo (e sobretudo) perante as nossas falhas ou limitações.

Nunca escondeu esse tesouro só para si. Partilhou-o abundantemente com todos à volta, num exercício incansável de evangelização. Ao longo de quarenta anos, vi-o dar Exercícios Espirituais a milhares de pessoas, ser voz na Rádio Renascença de um Deus para os nossos dias, realizar inúmeras Conferências, animar CIF – Cursos Intensivos de Fé, dinamizar de CVX e, sobretudo, atender inúmeras pessoas que encontravam nele uma imensa capacidade de escuta e um mestre em ajudar cada um no seu discernimento.

Quis este Deus generoso que pudéssemos ter estado na sua última expressão deste serviço à Fé, nos últimos Exercícios Espirituais que orientou, como tão bem fazia. Apesar da doença cavalgante, em nada se notou. Com a sua energia característica guiou-nos mais uma vez por esse roteiro inaciano tão especial, acompanhando cada um nesse encontro transformador.


Serviço

O P. António levou muito a sério não só o serviço da fé, mas também a promoção da justiça. Numa e noutra dimensão, a sua capacidade de “em tudo amar e servir” era notável. Acompanhamo-lo em muitas dessas missões, pelo que somos verdadeiramente privilegiados. Sempre vi nele, esse anseio de procurar dar resposta aos grandes desafios do nosso tempo, colocando-se na primeira fila do pensar e do fazer. Foi um inovador exímio, ao criar respostas para esses desafios, através de uma ação concreta, sustentável e transformadora. Da sua ação e inspiração, sempre com outros que nunca dispensava no caminho, nasceram o Centro Universitário Manuel da Nóbrega, (com os seus companheiros P. Alberto Brito e P. Vasco Pinto Magalhães) e o Centro Universitário P. António Vieira. Neles cumpriu uma das suas principais vocações: o trabalho com jovens universitários. Depois, sucedeu-se a fundação dos Leigos para o Desenvolvimento, como expressão do seu compromisso com a construção de um mundo mais justo, promovendo um verdadeiro desenvolvimento humano, que fosse integral e sustentável. Seguiu-se o seu impulso, com o seu irmão José Vaz Pinto e outros amigos, para a criação do Banco Alimentar contra a Fome. Depois veio o desafio do Alto-comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas. Aí, com a sua equipa, revolucionou as políticas de acolhimento e integração de imigrantes, colocando Portugal como uma referência de boas práticas a nível mundial, sendo capaz de inspirar governantes, políticos e líderes da sociedade civil para essa missão. Criou ainda, entre outras atividades, o Centro São Cirilo, no Porto e deu o seu contributo para o que é o centro da Brotéria.

Porquê a importância desta memória grata por tudo o que criou? Essencialmente para se perceber que nele tudo impelia à ação, numa afirmação da responsabilidade de agir. Leva muito a sério a máxima do P. António Vieira: “Só existimos nos dias em que fazemos; nos outros apenas duramos”. Para isso, precisou muitas vezes de coragem, qualidade que não lhe faltava e de uma energia inesgotável. Mas reafirmava sempre em relação a todas essas obras que não precisava de mais de 15 minutos para partir. Orgulhava-se de ver como todas estas obras continuavam pujantes já depois dele, num exemplo excelente de maturidade de quem tinha a sabedoria de se tornar dispensável.


Amor

Se todas as anteriores palavras o retratam, gosto de reter como muito especial, o Amor. Pode soar estranho, mas achamos que vida do P. António foi simplesmente um exercício de amor. Não só a Deus, mas também aos irmãos. Seguramente com as suas fragilidades, claro. Mas, nunca se cansou de buscar a santidade, enquanto “pecador que não deixa de tentar fazer melhor”. Esse Amor para connosco era exigente, raramente doce e sempre a puxar para o Magis. Mas era amor.

Uma das maiores aprendizagens – e dívidas de gratidão – foi a forma como, dessa maneira, nos ajudou a encontrar o Deus que só é Amor e que se expressa numa Misericórdia absoluta. Ao longo de quarenta anos, em todas as estações, em dias de sol e em tempos de grandes tempestades, tivemos sempre a sua presença com um cuidado e uma amizade, que nos mostra esse Deus-Amor. E, tal como nós, milhares de outras pessoas. Esse é o seu grande património: o que muito amou.


O P. António deixa-nos um legado a continuar, pela Fé, pelo Serviço e pelo Amor.

Ficará para sempre o telefone por tocar. Faltará o “posso ir aí jantar?” ou simplesmente “como vai isso?”. Ou ainda a divertida irritação a meio da reunião de CVX. Já não poderemos recorrer a um porto de abrigo que sempre tínhamos. Mas agora, no Céu, há mais alguém que intercederá por nós. Obrigado, P. António.


Francisca Assis Teixeira, Madalena, Marta e Rui Marques

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