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  • Writer's pictureRui Marques

Uma mesa com lugar para todos.

As nossas cidades são hoje a imagem de um País diferente. As grandes metrópoles como Lisboa, acolhem pessoas das mais variadas origens, quer nacionais, quer estrangeiras. Ouvem-se várias línguas, vêem-se várias cores e cruzamo-nos com várias culturas. Como elemento essencial deste novo contexto social, surgem as migrações, que tem vindo a ocupar um lugar relevante na nossa actualidade. Aquelas constituem um enorme desafio à solidariedade e à afirmação de um mundo mais justo.


Olhando à escala global, é fundamental termos consciência que se não formos capazes de construir um Mundo que tenha lugar à mesa para todos, não teremos – nem mereceremos – futuro. Inexoravelmente, numa questão de tempo, estaremos à beira do precipício, empurrados pela injustiça e pelo sofrimento humano dos que não têm lugar à nossa mesa.


Por mais que pareça, “ter lugar para todos na mesa” não é uma tarefa impossível. A Natureza e o génio humano são capazes de gerar e de gerir o necessário para que todos tenham o suficiente. E não nos satisfaçamos com o argumento fatalista que “pobreza sempre houve” ou “está lá longe e nada podemos fazer”. Ou pior ainda, com a atitude desculpabilizante que “se ela existe é culpa de alguém: dos pobres que não sabem sair dela ou dos ricos que a constroem sob os pilares dos seus palácios”. Um e outro pensamento soam a justificação barata. Tenhamos coragem de ir mais fundo e mais longe.


Para tornar o Mundo uma mesa para todos, as migrações são essenciais e naturais. São o mecanismo mais próximo e eficaz de repartir a riqueza e de criar vasos comunicantes. São o despertador das nossas consciências e as batidas à porta da nossa indiferença. São o apelo à generosidade, sem sairmos de casa. É o dar e ainda receber mais. É multiplicar, dividindo.




Por isso, saber abrir a nossa mesa a outros, que nos procuram na nossa Cidade em busca do seu futuro, é participar activamente nesse movimento universal de fazer do Mundo um destino comum e partilhado.


Por outro lado, este conceito tem também – no “todos”- a riqueza da diversidade, afirmada na unidade da “mesa”. As migrações trazem-nos sempre a alegria de uma mesa mais diversa, cheia da sabedoria própria de cada um, pronta a dividir entre todos. Basta que o queiramos e saibamos fazer, num ambiente de diálogo e de partilha, tão característicos de uma boa mesa.


Assim, cada um com o seu contributo, à mesma mesa, construiremos um futuro de todos e para todos. Com os de dentro e os de fora. Com os mais iguais e os mais diferentes. Mas sempre com o direito universal de estar à mesa. E sempre com o dever de convidar todos para a mesa.



Um olhar ético sobre as migrações


Sabemos que a preocupação ética e moral não é o que move os interesses do Mundo, em particular dos Estados, não pode deixar de ser considerada esta perspectiva quando se discute a temática das migrações. E há, neste domínio, contradições agudas que importa expor e reflectir sobre elas.


A primeira e estruturante divisão decorre do universo considerado. Defende-se o interesse individual, familiar, corporativo, nacional, ou consegue-se ter como referência o interesse de toda a Humanidade? Da resposta a esta questão, surgem leituras da realidade muito diferentes e políticas muito distintas.


A visão defensiva das sociedades de acolhimento perante as migrações radica numa atitude egoísta e pouco solidária que está evidentemente centrada nos seus interesses próprios e ignorando o bem comum. Longe, muitas vezes, de uma convicção que o mundo e os seus bens se destinam a todos os Homens, esta atitude vai desde o modelo de desenvolvimento adoptado, incluindo a sua componente de comércio externo, até à sua política de gestão de fluxos migratórios, bem como do acolhimento e integração de imigrantes.


Partindo de uma relação muitas vezes desequilibrada e injusta no domínio do comércio internacional, que impõe regras leoninas aos mais fracos, quer enquanto fornecedores, quer enquanto clientes, as sociedades mais desenvolvidas cavam, todos os dias, o fosso que as separa das menos desenvolvidas. Por exemplo, sabe-se que a redução das barreiras dos países mais ricos em relação às exportações dos países mais pobres, poderia criar riqueza nestes, aumentar o emprego e os salários e diminuir a emigração. Mas não é isso que acontece.


Assim, na gestão das migrações se torna importante esta dimensão ética. Os movimentos migratórios representam uma importante oportunidade de partilha de riqueza, através de meios legítimos como o trabalho. Os que partem da sua terra em busca de uma oportunidade de, com o seu trabalho, auferirem meios de subsistência dignos, representam para a sociedade de acolhimento uma oportunidade de partilhar a riqueza com aquele/as homens/mulheres, as suas famílias e o seu país, para além de beneficiarem também com o seu trabalho. O acolhimento e integração de imigrantes é uma das mais dignas expressões de fraternidade humana que, para além das fronteiras, nos une no essencial.


Uma outra questão ética que se coloca é a decorrente do diferente acesso ao benefício da imigração, conforme a nacionalidade ou as habilitações académicas e profissionais. É difícil aceitar, no plano dos princípios da igual dignidade da pessoa humana, que seja diferenciado o direito de acesso a uma determinada sociedade a partir de características deste tipo, que constituem grupos de imigrantes “desejáveis” ou “indesejáveis”.


Apesar de tudo, não se pode ignorar que a consciência crescente da opinião pública mundial no que se refere à temática das migrações pode representar um horizonte de esperança. Embora se verifique uma aparente ineficácia decorrente dessa atenção, há sinais positivos no passado recente. Desde logo, o tema tem vindo a tornar-se prioridade nas agendas pública e mediática nos países mais desenvolvidos. O contacto quotidiano que as populações dos países de acolhimento vão tendo com um número crescente de imigrantes, impele a discussão sobre o tema. E se neste processo se têm vindo a afirmar tendências xenófobas e mesmo racistas em muitos países de acolhimento, em torno das supostas ameaças que os imigrantes representariam, também se tem vindo a verificar uma crescente promoção de discursos de tolerância e de valorização da presença de imigrantes.


A esperança na construção de uma Cidade mais justa, passa pelo o empenhamento de cada um de nós. E é esse o desafio que também nas migrações teremos de ter coragem de enfrentar.

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