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Writer's pictureRui Marques

3 erros crassos e uma oportunidade perdida

O episódio que tem ocupado todo o espaço mediático desde ontem merece uma atenção particular e urgente. A meu ver há erros crassos a registar. E uma oportunidade perdida.


1. Querer ficar bem na fotografia

A “libertação” da notícia pela Policia Judiciária, da forma que foi feita parece-me imprudente e insensata. Como muitos outros atentados que foram evitados pelas forças policiais de vários países, ganharíamos mais em ter gerido a informação sem buscar a glorificação da ação de qualquer protagonista, evitando gerar um alarme público e um impacto social brutal.

Sabemos e somos gratos por todo o trabalho desenvolvido pelas forças de segurança – é, ao fim e ao cabo, para isso que existem - e o reconhecimento que lhes é devido não precisa destas operações mediáticas.

A narrativa que foi construída pela “fonte” policial não obedeceu aos critérios de parcimónia e discrição que deveria ter. Por exemplo, é legitimo e adequado divulgar eventuais provas encontradas, antes do seu devido enquadramento num processo judicial? Não é, aliás, a primeira vez que isto acontece e, por isso, é urgente esta reflexão. A promiscuidade entre justiça, segurança e media é muito perigosa e conduz a resultados perversos.


2. Audiências a qualquer preço

Desde ontem à noite, os meios de comunicação, particularmente as televisões, exploraram à exaustão este tema. Como a informação factual era escassa, fizeram-no recorrendo a comentários e reportagens sem fundamento, nem valor acrescentado efetivo. Por isso, o enquadramento do tema de uma forma sensacionalista e largamente especulativa é lamentável. Durante horas, especulou-se, confundindo suposições com factos e usaram conceitos como “terrorismo” de uma forma, no mínimo, imprudente. Espalhou-se o pânico e a insegurança por conta de um evento que pela facilidade com que foi detetado mostra o seu grau de amadorismo e de conexão com temas de saúde mental e não de intencionalidade própria de um ato terrorista bem estruturado. Porém, a exploração continuada e sem escrúpulos, envolvendo violações duma privacidade que nunca deveria ser tocada, é remunerada por audiências ávidas de sangue e drama e isso responsabilizam-nos a todos.


3. Falar do que não se sabe

É impressionante como tantas vozes se atrevem a comentar e a elaborar sobre o que ainda não se sabe. No dia em que se procedeu à detenção deste jovem, ninguém poderia saber o suficiente para comentar com rigor o que estava em causa. Porém foram muitos os que o fizeram. Essa precipitação só pode ser desastrosa. Bem sei que não remuneraria a decisão editorial de adiar comentários para um futuro pós-justiça e pós-avaliação de estado de saúde mental. Mas era isso que deveria acontecer.


4. A Saúde mental , esse parente pobre…

Entre as poucas certezas que podemos assumir, estará uma pergunta: o que está em causa em termos de saúde mental neste caso? A confirmar-se essa evidência, esta seria uma excelente oportunidade para pensarmos a sério sobre o que está a falhar redondamente em termos de promoção da saúde mental. Esta área sempre foi o parente pobre da saúde, com preços elevadíssimos a pagar pelas pessoas, pelas famílias e por toda a sociedade. Acresce, porém, que após os efeitos destes dois anos de pandemia evidenciam-se consequências graves na saúde mental, em particular dos jovens. Pela primeira vez, a saúde mental surge no relatório de riscos globais do World Economic Forum de 2022. Todos os relatórios da OMS alertam para o fato de, durante a pandemia, ter duplicado o número de casos de ansiedade e depressão. Nos hospitais portugueses registam-se picos nunca observados de anorexia/bulimia e outras perturbações na população jovem.

Esta é verdadeiramente a questão chave que nos deveria preocupar e desencadear a ação.


PS: a total falta de compaixão e recato nestes momentos deveria fazer-nos pensar.

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