Relacional: uma questão de sistema operativo

Na agenda pública, o tema da transição digital tem uma força muito expressiva. Em poucos anos, ganhou um protagonismo inquestionável e tem vindo a mudar as nossas vidas. Para este tópico (quase) não faltam recursos e tem um toque de modernidade que encanta, qual serpente bamboleante. Aproveitando esse foco de atenção, vale a pena repensar o que pode esta transição servir-nos de metáfora para outros desafios. E que tal o relacional ?

Bill Gates, nos primórdios da afirmação dos computadores, ao ouvir alguém defender que as pessoas têm de saber mais de computadores”, terá dito, “não, os computadores é que têm de saber mais de pessoas” e isso terá inspirado o sistema operativo Windows e tudo o que veio a revolucionar.

Uma sociedade para funcionar precisa também de um sistema operativo. No digital, este permite gerir todos os recursos de um dado dispositivo, incluindo hardware e software. Atua como ponte que ativa recursos e que permite a comunicação. Controla a memória e o processador, fornece um interface para o utilizador ou executa os programas instalados, entre muitas outras funções. Assim é o relacional. É o sistema operativo que precisamos para que um dado conjunto de pessoas e recursos se liguem e, através da sua ativação, produzam resultados significativos.

De alguma forma, por vicissitudes várias, temos vindo a perder relações de qualidade e, dessa forma, a ver entrar em crise o nosso sistema operativo (SO). E, voltando à metáfora, o que acontece quando um dispositivo perde o seu sistema operativo? Desde logo, não arranca, fica bloqueado. Torna-se impossível aceder aos ficheiros e o hardware fica sem “cérebro”. Os programas de software tornam-se inúteis. É fácil fazer a translação do digital para o social: sem qualidade relacional como sistema operativo, a nossa capacidade de agir em comunidade deteriora-se e os recursos, mesmo que existam, tornam-se inúteis. Fica tudo bloqueado. Torna-se, então, necessário reparar ou reinstalar o SO.

Creio que estamos a precisar de o fazer.  Precisamos de investir nesta nova reinstalação e garantir que vem com o algoritmo de “melhores relações”. Dessa forma, talvez se possa garantir uma outra dinâmica social distinta da do deslaçamento, da fragmentação e da espiral negativa.