Em tempo de transição entre a magnanimidade do espírito de Natal e a festa do Ano Novo que chega, sugiro que se sente um pouco a esperançar. Escolho como roteiro para lhe propor o documentário “Beethoven Ninth – Symphony For The World” que a Netflix disponibilizou recentemente e deixe-se deliciar. Se não tem Netflix pode ver aqui a versão da DW, em inglês.
Esta obra de Christian Berger leva-nos através de vários continentes e diferentes culturas, seguindo o fio condutor da interpretação da Nona Sinfonia de Beethoven. Mas desengane-se quem pensa que só encontrará aqui música. É muito mais do que isso. Escolho três dimensões profundamente inspiradoras desta viagem para lhe propor uma grelha de leitura.
1. A esperança de que o maior obstáculo seja vencido pela vontade.
Na sua primeira apresentação pública desta obra-prima, em 7 de maio de 1824, não pôde escutar os entusiásticos aplausos do público que em Viena a escutavam pela primeira vez. É sabido que Beethoven terá composto a sua 9ª sinfonia já surdo, num processo que se vinha agravando desse 1820. Como foi possível compor tal obra sem nunca a poder escutar? Esse facto projeta-nos para uma capacidade extraordinária da mente humana, capaz de feitos únicos, como compor e “ouvir” todas as notas conjugadas nesta pauta, somente a partir da memória e da capacidade de imaginar essa construção genial. É, em si mesmo, um hino à esperança acreditando que muitos limites, aparentemente intransponíveis, não o são efetivamente e que vencê-los está ao nosso alcance, se para tal soubermos procurar o mix certo de vontade e trabalho, de confiança e resiliência. O documentário mostra-nos, a esse propósito, o trabalho de Paul Whittaker – ele próprio também surdo - com o projecto “Feel the Music”, desenvolvido para crianças surdas com a Mahler Chamber Orchestra, em que a surdez não impede uma outra experiência da música. As imagens que nos proporciona são profundamente comoventes.
2. A esperança de que o contexto não bloqueie as possibilidades de futuro.
Outra lição a reter do documentário, é que o contexto não determina tudo, definitiva e irrevogavelmente. O exemplo extraordinário da Orquestra que em Kinshasa, na República Democrática do Congo, interpreta, com alma e talento, esta obra de Beethoven, anima-nos a pensar que poderemos sonhar, abrindo, para lá dos fatalismos pré-definidos, janelas que nos ofereçam o “impossível”.
3. A esperança de que nos possamos unir pelo essencial.
Um dos países com maior fascínio pela Nona é o Japão. Aí acontece regularmente um momento único em que 10.000 vozes se reúnem, para uma experiência inaudita de interpretação desta peça. Não se consegue imaginar o que cada um sentirá ao unir-se nesta voz comum. Podemos unir-nos pelo essencial? No muito em que somos iguais? O resultado mágico que esse cantar em coro (gigante) nos mostra, deixa-nos com um sorriso largo.
Finalmente, é impossível passar pela Nona, em final de ano e na aurora de um novo ciclo, e não falar do Hino da Alegria. Para uma cultura que tantas vezes parece avessa a esse estado de espírito; para uma agenda saturada da neura mediática; para o nosso triste fado, precisamos definitivamente de cultivar a Alegria. Para 2023 esse será mais uma linha na nossa agenda. Que o vosso ano comece com essa determinação, ao jeito de Mission: Joy, inspirados por Dalai Lama e Desmond Tutu (esta é uma novidade que temos guardada para 2023!).
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