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  • Writer's pictureRui Marques

Portugal: país xenófobo?

Nos últimos dias, tem vindo a gerar grande discussão pública, o título “Portugueses mais resistentes aos imigrantes do que a média europeia” que o Jornal PÚBLICO[1] lançou – e que os restantes meios seguiram – na sequência de um relatório do Observatório Europeu dos Fenómenos Racistas e Xenófobos[2], a partir da leitura dos dados de dois inquéritos realizados em 2003 (o Eurobarómetro e o Inquérito Social Europeu).


Este facto merece uma leitura mais aprofundada.


1. A árvore e a floresta. A conclusão para que o título do PÚBLICO aponta reflecte uma – apenas uma – das questões que são evidenciadas no referido Relatório. Aliás, o jornalista autor da peça alerta, no desenvolvimento da notícia, para os dados contraditórios decorrentes dos dois inquéritos. Mas a maioria dos seus leitores, ficaram-se pelo título. Se, por exemplo, tivessem sido seleccionados e destacados alguns dos dados do Eurobarómetro 2003, também disponíveis nesse documento, teria sido possível evidenciar que Portugal é um dos países menos resistente a uma sociedade multicultural (9º melhor resultado em 30 países), ou mais defensor dos direitos civis dos imigrantes legais (8º melhor resultado). Por outro lado, do Inquérito Social Europeu também se poderia sublinhar que, apesar de ser o 4º país com maior percentagem de respostas evidenciando resistência aos imigrantes, era, por outro lado, um dos que evidenciava menor apoio a uma distância étnica (7º melhor lugar em 19 países).

Uma leitura ponderada de todas as respostas dos dois inquéritos dá, cremos, uma imagem muito mais próxima e equilibrada da realidade. Se lhe acrescentarmos o contexto, dado que o momento da sua realização correspondeu à conclusão de um ciclo (2001/2003) em que Portugal duplicou o nº de imigrantes legais, então talvez se possa fazer outra leitura destes dados. A este propósito, o Comissário Europeu para os Direitos Humanos, Senhor Gil-Robles, dizia no seu relatório de 2003 sobre Portugal: “(…) o aumento do número de estrangeiros em Portugal, seja da Europa de Leste, seja dos países de língua portuguesa foi absorvido sem crescimento de tensões sociais ou raciais. Isto é seguramente um testemunho da abertura geral e da tolerância da sociedade portuguesa e um exemplo para outros países da Europa.”[1].

Sendo que o combate à xenofobia e ao racismo não vive de rankings e, mais importante ainda, o não estarmos tão mal quanto outros não nos consola, importa, no entanto, sermos rigorosos para podermos ser eficazes. E olhando toda a “floresta” e não só a “árvore”, Portugal está longe de ser, no plano europeu, um mau exemplo.



2. O que pode querer dizer a resposta “Não” à pergunta “devem entrar mais imigrantes em Portugal?”? Uma outra dimensão interessante para uma reflexão sobre as leituras feitas a partir destes e de outros inquéritos, decorre da interpretação do significado de algumas das respostas. Por exemplo, à pergunta “Devem entrar mais imigrantes em Portugal?” a resposta “não” é entendida, genericamente, como sinónimo de xenofobia. Mas essa interpretação só parcialmente corresponde à realidade. Haverá alguns cidadãos que respondem dessa forma, recusando verdadeiramente o imigrante, em qualquer circunstância. Mas, por exemplo, quando, em conversas informais, se coloca esta mesma questão a imigrantes que vivem em Portugal e se obtém uma taxa de resposta “não” muito alta, obviamente que não estamos perante um fenómeno xenófobo. De igual forma, quando um cidadão nacional responde “não”, porque tem a percepção da reduzida oferta de emprego decorrente da crise económico e não vê como poderá um novo imigrante encontrar trabalho digno no mercado português. Pode ser, por isso, uma simples resposta de senso comum, sem motivação de preconceito.

Por outro lado, a esta mesma pergunta, podem responder “sim” quer os acreditam num mundo solidário, sem fronteiras, onde os mais pobres têm o direito de vir procuram junto dos mais ricos o seu sustento, como aqueles que, motivados pelo lucro fácil, sabem que quanto mais mão-de-obra houver disponível, mais barato será o seu preço e menos margem haverá para a afirmação dos seus direitos. É, por isso, necessário algum cuidado nas conclusões que se retiram de algumas respostas.



3. Os votos para além dos inquéritos - Uma outra abordagem do peso relativo da xenofobia na Europa pode usar como medida a ascensão de partidos políticos com discursos xenófobos, situados usualmente à extrema direita. Como é evidente, a expressão em votos é muito mais significativa que qualquer inquérito a partir de uma amostra por melhor que seja.

O expoente máximo dessa realidade será provavelmente a Frente Nacional, de Jean-Marie Le Pen, que em França, debaixo do slogan “A França para os Franceses” tem defendido – com algum sucesso - uma política hostil em relação aos imigrantes. Este caso típico de partido de extrema direita, tem, desde 1984, vindo a fazer o seu caminho. Tem a sua implantação junto de eleitorado masculino e de classe média-baixa, com presença crescente junto dos jovens, dos desempregados e dos cidadãos com baixa instrução e faz do ataque à imigração um dos seus eixos programáticos essenciais, o qual enquadra num discurso de “lei e ordem”. O seu melhor resultado eleitoral teve lugar nas presidenciais de 2002, com a passagem de Le Pen à 2ª volta, com cerca de 17% dos votos. Como é habitual nestes partidos, verifica-se uma forte dependência de uma liderança carismática e, provavelmente, alguma dificuldade em sobreviver ao período pós-fundador.

Esta tendência teve, em 2002, outras expressões na Europa, nomeadamente na Áustria (Partido da Liberdade, de Joerg Haider) com 10% de votos, em Itália (Liga do Norte, de Umberto Bossi e Aliança Nacional, de Gianfranco Fini) com 16%, na Holanda (com a Lista de Pim Fortuyn) com 17% e ainda na Dinamarca (Partido Dinamarquês do Povo) ou em Inglaterra (Partido Nacional).


Jupp[2] elaborou um interessante estudo sobre partidos europeus com discursos anti-imigração e resultados eleitorais e tornou evidente a influência crescente que estas forças políticas iam tendo na Europa, à data:



Em Portugal, nunca uma expressão política-partidária verdadeiramente xenófoba se chegou a afirmar, com um eleitorado significativo. O Partido Renovador Nacional (PRN), expressão nacional mais próxima da Frente Nacional de Le Pen, com a assinatura “Os Portugueses primeiro” teve, nas últimas eleições nacionais, uns escassos 0,16% correspondendo a 9323 votos. Já o Partido Popular, se bem que evidencie uma visão securitária sobre a imigração, está muito longe de ser um partido xenófobo. Por isso, a expressão xenófoba nessa grande sondagem que são as eleições tem em Portugal uma expressão residual em comparação com muitos outros países da Europa.


Mas não subestimemos os riscos que estão no horizonte.


A conjuntura presente em muitos países europeus de um crescente peso social e político dos discursos anti-imigração condiciona as forças políticas moderadas e humanistas, do grande centro político, a assumirem algumas posturas relativamente surpreendentes. O exemplo mais recente é o de Tony Blair. Em resposta às críticas dos conservadores, veio anunciar, no início de 2005, importantes restrições à entrada de novos imigrantes ou asilados no Reino Unido anunciando que “todos os candidatos a entrarem no país terão de passar em exames de selecção, que ponham à prova as suas competências profissionais, bem como o nível do uso da língua inglesa. No seguimento desta política, os vistos de trabalho serão concedidos de acordo com um sistema de pontos onde são registadas as aptidões dos imigrantes, à semelhança do modelo australiano[3].


O debate político sobre imigração é, por tudo isto, um território muito delicado para as democracias ocidentais.


4. Para uma sociedade de verdadeiro acolhimento - É certo que para sociedades com histórico de emigração, como a portuguesa, a memória da nossa dívida perante os que nos acolheram e a obrigação moral de agora acolher outros que nos procuram ajudará políticas abertas e tolerantes. Mas não é suficiente viver da memória.


Uma abordagem sensata e pragmática do discurso político não pode ignorar esta sensibilidade da opinião pública ao aumento da imigração e deve coarctar preventivamente as possibilidades de crescimento e instalação de correntes xenófobas relevantes. Esta opção exige capacidade de gestão dos fluxos migratórios, mas sobretudo uma forte aposta numa boa integração social. Esta pressupõe sentido de equilíbrio no discurso dos direitos dos imigrantes, que para ser credível tem que ser feito em simultâneo com a afirmação dos deveres, num quadro do respeito pleno do princípio da igualdade entre cidadãos nacionais e cidadãos imigrantes. Há que afirmar, no quadro da coesão social, que portugueses e imigrantes, devem saber estar juntos, nos bons e nos maus momentos, enfrentando solidariamente dificuldades e oportunidades. E isso só pode acontecer quando fizermos verdadeiro acolhimento do “outro”, incluindo-o plenamente num “nós” diversificado e intercultural. Este é o desafio que queremos vencer.


*Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas

**Alto-Comissário Adjunto para a Imigração e Minorias Étnicas

[1] do Relatório da visita a Portugal, em Maio de 2003, do Senhor Gil Robles, Comissário para os Direitos Humnaos do Conselho da Europa, disponível em http://www.fd.uc.pt/hrc/enciclopedia/temas_dh/direitos_prisao/comissaire.doc [2] Jupp (2003):7 [3] http://jornal.publico.pt/2005/02/08/Sociedade/S31.html

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