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  • Writer's pictureRui Marques

Uma visão positiva da imigração

Realiza-se esta semana em Portugal, o maior congresso sobre migrações internacionais, a 11ª Conferência Metropolis Internacional. Importa a este propósito enunciar as grandes linhas da política portuguesa de acolhimento e integração de imigrantes.


Portugal beneficiou, nas últimas décadas, desta presença de imigrantes que contribuíram significativamente para o processo de desenvolvimento acelerado que o nosso País viveu. A sua contribuição de 5% para o Valor Acrescentado Bruto (VAB) nacional[1]; o saldo positivo da sua contribuição para as contas do Estado – 243 milhões de euros, em 2002 – ou ainda a contribuição para o equilíbrio da pirâmide demográfica, são alguns exemplos evidentes do contributo que os imigrantes nos trazem. Mas importa sublinhar também o enriquecimento decorrente da diversidade cultural e religiosa introduzida pelas comunidades imigrantes pois a “diversidade cultural é uma das fontes de desenvolvimento, entendido não só como crescimento económico, mas também como meio de acesso a uma existência intelectual, afectiva, moral e espiritual satisfatória [2].


A política de acolhimento e integração de imigrantes em Portugal é, por tudo isto, orientada por uma visão positiva da imigração, inspirando-se em sete princípios-chave.

1. A Igualdade de direitos e de deveres entre cidadãos nacionais e estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal, com excepção de alguns direitos políticos, situa-se como princípio inspirador determinante. Assim, o combate a todas as formas de discriminação e o efectivo exercício de direitos e deveres dos imigrantes determina o que defendemos nas políticas de imigração: acesso igual ao Trabalho, à Saúde, à Educação, à Segurança Social, à Justiça e a todas as outras áreas sectoriais. De igual modo, o respeito pela Lei, a participação cívica ou o pagamento de impostos são obrigações que os imigrantes devem cumprir, da mesma forma que os nacionais.


2. Mas muitas vezes a igualdade não chega. Os imigrantes, particularmente os recém-chegados, têm desvantagens competitivas ou vulnerabilidades específicas que exigem acções positivas que permitam a efectiva igualdade. Para tal objectivo, inspirados pelo princípio da Hospitalidade, desenvolvem-se em Portugal, a semelhança de outros países, Programas e acções que permitam acolher bem os imigrantes. Importa também, neste domínio, não ignorar a presença de imigrantes em situação irregular. Se é certo que a imigração deve ser legal e a lei deve ser respeitada, combatendo-se os circuitos de exploração da imigração irregular, também não pode ser esquecido que a dignidade da pessoa humana se mantém intocável e deve ser protegida contra as adversidades mais extremas. Isso exige a constituição de um núcleo de direitos essenciais devidos a qualquer pessoa, independentemente da sua situação documental.


3. O exercício da Igualdade conduz-nos naturalmente ao princípio da plena Cidadania. Ainda que não-nacional, defendemos que o imigrante deve ser um cidadão de pleno direito. É construtor activo de uma comunidade de destino, ainda que não tenha uma origem comum. Mesmo as restrições ainda colocadas ao nível da participação política, devem progressivamente desaparecer, pois não chega a participação política ao nível autárquico que a Constituição Portuguesa já prevê, em regime de reciprocidade.


4/5. Esta visão tem como outra consequência na política de imigração, a afirmação dos princípios da Co-responsabilidade e da Participação. Só se constrói uma sociedade inclusiva através do respeito pelo princípio da plena participação cultural e política de todos os cidadãos - nacionais e imigrantes - que constituem, num determinado tempo e espaço, uma sociedade. Os imigrantes devem ambicionar essa participação e, sobretudo, a sociedade de acolhimento deve estar aberta a essa participação na polis.


6. Num outro domínio particularmente sensível nos nossos dias - a gestão da diversidade cultural - a opção portuguesa é muito clara e passa pela afirmação do princípio da Interculturalidade. Num quadro de respeito mútuo e dentro da Lei, promove-se a afirmação da riqueza da diversidade em diálogo. Mais do que uma coexistência pacífica de diferentes comunidades, o modelo intercultural afirma-se no cruzamento e miscigenação cultural, sem aniquilamentos, nem imposições. Muito mais do que a simples aceitação do “outro” o modelo intercultural propõe o acolhimento do “outro” e transformação de ambos com esse encontro.


7. Finalmente, a construção da política de imigração em Portugal está marcada pelo princípio do Consenso. A permanente busca em torno das questões da imigração, através do diálogo e da negociação, de um consenso político e social alargado não é uma mera questão táctica. Representa uma opção essencial para afastar a política de imigração de terrenos fracturantes onde florescem argumentos populistas anti-imigração, como se tem verificado em muitos países europeus.


Estes sete princípios são mobilizadores, quer para o Estado, quer para a sociedade civil . Defendemos que o Estado deve assumir-se como principal aliado da integração dos imigrantes. Este objectivo só pode ter sucesso se respeitado o princípio da permanente cooperação entre diferentes instituições do Estado, procurando respostas articuladas, transversais e multisectoriais. Particular atenção deve ser dada à dimensão local do acolhimento, promovendo uma integração de proximidade. Em simultâneo, é fundamental reforçar a aliança com instituições da sociedade civil, potenciando a sua intervenção generosa, flexível e, normalmente, mais eficiente.


Portugal está ainda a aprender a ser país de acolhimento de imigrantes. A sua política de integração precisa ser desenvolvida e consolidada. Temos muito a fazer e a melhorar. Mas este é um desígnio prioritário e sabemos o que queremos.


No século XXI, a política de imigração será um dos indicadores que definirá cada Sociedade: “diz-me que política de imigração tens e dir-te-ei quem és”. E cada uma das nossas sociedades precisa de estar atenta, para que um dia não se envergonhe de quem é.



* Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas.

[1] In Sousa Ferreira, Eduardo et al (2004) Viagens de Ulisses – Efeitos da imigração na economia portuguesa , Observatório da Imigração, Lisboa. [2] Art. 3º da Declaração Universal da Diversidade Cultural. (UNESCO, 2001)

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