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  • Writer's pictureRui Marques

Onde estão as portas para o esperançar?

O ano começou estranho. As turbulências múltiplas, as zangas que saíram à rua ou a inquietação sobre o estará depois da próxima curva, deixa-nos inquietos e ansiosos. Há, por isso, que buscar, por um lado, a compreensão da natureza destes dias - para melhor lidar com eles - e, por outro, procurar onde estão as portas para o esperançar.


Por cá o Encontro Nacional de Escolas Ubuntu na Fundação Calouste Gulbenkian, junta hoje 1400 alunos e educadores para celebrar o que é ser Ubuntu, é um verdadeiro motivo para esperançarmos.


O Homem-Ponte


Todos sabemos como é difícil construir pontes, mas como fazem tanta falta em circunstâncias difíceis. Para muitas aldeias da Índia, o isolamento, particularmente na estação chuvosa, é um risco enorme, desde a impossibilidade de acesso a cuidados de saúde de urgência, até ao impedimento da atividade económica ou da ida à escola. Por isso, o Homem-Ponte faz toda a diferença....



Girish Bharadwaj tem 73 anos e, ao longo dos últimos trinta anos, já construiu no seu país 147 pontes de baixo custo. Originário de Aramboor, em Karnataka, há décadas que transforma vidas de milhões de pessoas que beneficiam da sua arte e engenho. Inicialmente, riu-se da convicção ingénua que os habitantes de uma aldeia revelavam ao acreditar que ele, um jovem licenciado em engenharia, poderia construir uma ponte. Porém, perante a insistência, deixou-se tocar por esse apelo e, com um grupo de amigos, começou a pesquisar como seria possível construir pontes de baixo-custo em locais remotos, contando inicialmente com o contributo das populações, que depois se veio a alargar às autoridades públicas.


Hoje é visto por muitos dos que serviu como um “messias” que os retirou do isolamento e lhes proporcionou oportunidades de desenvolvimento e de acessibilidade a serviços e mercados. E com a sua equipa de 30 a 40 pessoas, continua a chegar a um local, a olhar margens e, em três a seis meses, construir uma ponte.




A cidade relacional de Miquel Lacasta


Tive a ocasião de, por estes dias, me cruzar com o arquiteto catalão Miquel Lacasta. Visitei-o no seu atelier em Barcelona e, dias depois, recebemo-lo em Gaia, no âmbito do projeto Laboratório das Cidades Relacionais, que desenvolvemos conjuntamente com a Gaia Urb, empresa municipal de urbanismo e habitação deste concelho.



O espaço em que trabalha – Kubik – reflete todo um conceito e forma de estar. Nos anos 90, antecipando o que é hoje o movimento “coworking, o seu espaço reúne mais de 100 coworkers, entre os quais se encontram os membros da sua equipa, Archikubik. A simplicidade de um espaço sóbrio e uma cultura de comunidade vivida, têm-lhe proporcionado (e aos seus sócios) a oportunidade de aprender e crescer.



Essa cultura de relação leva-o a desenhar o seu ecossistema de ação de uma forma multidisciplinar e baseada na interdependência, em que a sua ação se revê obrigatoriamente na relação com outros que lhe trazem, não só o que lhe falta mas, sobretudo, o que lhe acrescenta valor.


O seu interesse pelo tema da cidade relacional está espelhado no seu blogue Axonometrica, no qual se podem encontrar vários textos que nos inspiram para a melhor compreensão desta visão. Numa abordagem a várias escalas, fica a ideia dos diálogos e tensões entre a “Cidade intensa”, que traz a densidade, a sua natureza compacta e a complexidade, a que se soma a “Cidade humana”, com o seu capital humano, que se desenvolve em espaços públicos e em espaços privados participados, e a “Cidade diversidade”, com todos os mix possíveis, de natureza social, étnica, religiosa ou, numa outra perspetiva, de usos e tipologias. Finalmente, “a cidade relacional” surge associada à coopetição, à reversibilidade como condição de resiliência e ao verde, em que a “a paisagem é infraestrutura”.


Uma outra ideia interessante que apresentou na conferência na Casa da Arquitectura, em Matosinhos, é uma alternativa da utilização do acrónimo TIC em que, em vez do clássico Tecnologias de Informação e Comunicação, Lacasta propõe Talento/ Imaginação/ Criatividade, como recursos essenciais para uma cidade relacional. Uma outra referência útil é o foco na compreensão do Ciclos (da água, do ar, da vida, da energia, dos resíduos, ...) como chave de ação, naturalmente presente nas temáticas da economia circular, mas que vai muito para além disso, pois uma cidade relacional deve integrar e antecipar ciclos. Nesse sentido, vale a pena retomar o conceito da “reversibilidade”, pois um mundo feito de ciclos curtos, em permanente mudança existe um particular cuidado com o botão “uninstall”, ou seja, a previsão sempre presente que as coisas podem mudar e obrigar a uma flexibilidade e adaptação para sobreviver.


Estruturando muito o seu olhar na transição do “Me” para o “We”, tem desenvolvido vários projetos inspiradores e, com um eles, embora ainda em fase de construção, venceu o prémio espanhol de urbanismo de 2021. Trata-se de uma “agro-cidade”, nos arredores de Paris (Ivry-sur-seine) em que procura fundir dois mundos aparentemente separados à nascença.


Numa época de tanta polarização e de confronto constante, uma das linhas de sabedoria essenciais a recuperar, passa por reencontrar a moderação e o equilíbrio na busca da resposta certa.


Vem de Aristóteles este apelo a encontrar um ponto de equilíbrio no “continuum das virtudes”. É daqui que vem o conceito de que a virtude está no meio (entre os excessos). Creio que, mais do que nunca, é atual esta busca, tantas vezes obstruída por uma emocionalidade sem ponta de racionalidade, ou por uma razão enviesada. Esta visão da ética, com a necessária adaptação para os desafios do século XXI, tão mais complexos que os do Sec. IV a.C., precisa de ser discutida entre nós, na praça pública, para que consigamos encontrar o tanto/quanto. Talvez para algumas das crises em curso pudesse ser útil regressar aqui.




A força da moderação, a necessidade do equilíbrio


Uma enorme porta para esperançar é a aposta em melhor qualidade de relações interpessoais. Temos seguido com atenção o trabalho de vários parceiros internacionais, entre os quais se destaca o de Joan Quintana, com o Instituto Relacional de Barcelona, perito em “tornar visíveis, os invisíveis”.



A descoberta da obra de Joan Quintana tem sido uma boa surpresa. Cheguei ao seu contacto a partir da indicação dos nossos amigos da Fundacion SM que tinham editado o seu livro “Educacion Relacional: Diez claves para una pedagogia del reconocimiento”, de 2018. A sua (com Arnoldo Cisternas Chavez) abordagem humanista e relacional da educação é profundamente inspiradora e muito alinhada com o que temos desenvolvido com as Escolas Ubuntu.



Naturalmente deste contacto foram surgindo oportunidades de interação e colaboração e esse respeito e admiração têm crescido. Recentemente, em Dezembro passado, Quintana esteve em Lisboa, na nossa Conferência internacional sobre Colaboração e Governação Integrada, na qual fez a sua intervenção a propósito do tema “São as relações que mudam tudo”, que vale a pena rever aqui:



Depois disto, colocou-se a possibilidade de eu poder participar no curso de “Cultura e Estratégia Relacional” perto de Barcelona e, obviamente, não desperdicei a possibilidade. Num pequeno grupo de executivos, comecei essa experiência através do Método de Evolução Relacional, que se revelou muito útil para toda a reflexão/ação que os nossos dias impõem, em particular, para ir à procura do esperançar:



No seu último livro, acabado de editar, “Esclavos sin corbata”, Quintana traz-nos já uma reflexão sobre o impacto da pandemia, mas vai muito além disso. Cito o texto de introdução para “abrir o apetite” para a sua leitura:


Nós, humanos somos seres relacionais e partilhamos uma necessidade comum: o desejo de sermos amados e reconhecidos. Vivemos procurando-nos numa rede constante de relações, nas quais todos nos ligamos uns aos outros e todos nos reconhecemos. O relacional encarrega-se de criar, fortalecer e regenerar os vínculos que nos unem. Quando os vínculos se debilitam, se rompem ou são inexistentes, as relações deterioram-se de tal maneira que nos fazem sofrer e nos levam ao confronto e a lutar com os nossos semelhantes.


Vivemos em constante relação. Mesmo quando não nos relacionamos, ainda assim estamos a fazê-lo, porque os humanos estamos em constante interdependência: com outros humanos e com outros seres vivos. Negar essa interdependência pode isolar-nos. Aceitá-la, complementa-nos e dá-nos a possibilidade de nos reconhecermos.


Somos seres relacionais em constante interação e interdependência. Quando deixamos de nos cuidar, ou quando não cuidamos do outro, descuidamo-nos a nós mesmos. Se ocasionamos desequilíbrios, desequilibramo-nos. Se geramos pobreza, empobrecemo-nos. Se causamos insegurança, tornamo-nos mais inseguros e temos de levantar grandes muros para nos protegermos do que nós mesmos criámos. A riqueza de um pode causar a pobreza de outro; o que equilibra num lugar, desequilibra noutro; acumular algo em demasia impede que outros acedam a esse bem.


Somos seres relacionais porque necessitamos ver os outros e que os outros nos vejam. É uma espécie de dança entre ver e ser visto. O ver os outros e o ser visto pelos outros, humaniza-nos porque, com isso, aceitamos a necessidade de estar juntos. A negação ou exclusão dos outros desumaniza-nos e remete-nos para estados de defesa, isolamento, involução e destruição mútua. Reconhecer os outros é sentir que pertencemos a algo que tem sentido para lá de nós mesmos.”



A vida de Siya Kolisi


A história de vida de Siya tem já inspirado muitos. Cresceu numa “township” pobre chamada Zwide, mas isso não o impediu de chegar longe. Hoje é o inspirador capitão da seleção sul-africana de rugby, os Springboks. Com ele, ter-se-á concretizado, simbolicamente, o sonho de Mandela.



Siya nasceu em 1991, aparentemente do lado errado da vida. No entanto, como tantas vezes parece acontecer, o que parece estar escrito, é rescrito pela vontade e pelas circunstâncias. Na pobreza do seu bairro, foi filho pais adolescentes e perdeu a sua mãe aos 15 anos, sendo depois criado pela sua avó. Dela recorda a influência "positiva, amorosa, solidária e protetora" nos tempos mais difíceis, presença sem a qual não teria conseguido alcançar o seu sucesso. Começou a jogar rugby aos sete anos e, mais tarde, recebe uma bolsa para o prestigiado Grey College. Em 2019, lidera a equipa sul-africana que vence o Campeonato do Mundo de Rubgy, contra a Inglaterra, transformando-se numa referência para todo o mundo.



Quando questionado sobre qual teria sido o momento mais significativo da sua vida não hesita em recordar, numa entrevista à Red Bull, que esta “poderia ter tomado uma direção diferente à medida que se envolvia cada vez mais em tomar drogas e cheirar gasolina com outros rapazes no município. Podia ter acabado como um tsotsi [um jovem criminoso] e a partir daí, só teria duas opções reais: a prisão ou a morte. Ou ambas", refletiu ele. No entanto, uma sessão de treino para uma equipa local de râguebi chamada African Bombers, supervisionada por um treinador gritante, aterrador, mas inspirador, chamado Eric Songwiqi, provou ser uma epifania. "Terminei essa sessão exausto, ferido e a sangrar, mas fui a pé para casa nas nuvens. Foi a coisa mais espantosa que já tinha feito. Desde aquela primeira sessão, nunca mais olhei para trás, e nunca mais fumei erva ou cheirei gasolina".


Ainda na mesma entrevista, quando questionado sobre a sua visão de liderança recorre ao termo “Springbok” (nome de um animal e da equipa sul-africana), escolhendo para cada letra um atributo de liderança que um capitão de equipa deve protagonizar: S, de “self”; P, de “Positivity”; R, de “Resilience”; I, de “Inclusivity”; N, de “Natural”; G, de “Genuine”; B, de “Bravery”; O, de “Objectivity” e, K, de “Knowledge”.


Para Siya, ter crescido em Zwide representou ainda assim um tempo feliz na sua vida, apesar de tudo o que lhe faltava, “graças ao amor e ao apoio que tinha da minha comunidade”, acrescentando que “é por isso que o espírito Ubuntu está tão próximo do meu coração, pois sem o apoio da comunidade e das pessoas trabalhando juntas, eu não estaria aqui hoje”.


Sem esperar muito, vá até à Netflix e procure a série “De que é feito um líder” e aí encontrará um episódio dedicado a Siya e à sua fantástica história de vida e registe mais esta porta de esperançar.



Como esperançar combatendo a mentira...


Uma das ameaças recorrentes ao esperançar é a mentira. A pós-modernidade, trouxe-nos a “pós-verdade”, essa forma eufemística de tratar a mentira intencional e manipuladora. A selva das “fake-news” exige-nos cuidados redobrados e alguma sabedoria para distinguir o trigo do joio.



Recorrendo ao Livro da Comunicação, de Mikael Krogerus e Roman Tschappeler, vale a pena reter o seguinte:


“Se deseja analisar as notícias (falsas), um bom ponto de partida é o modelo simples desenvolvido pelo sociólogo americano Harold D. Lasswell, em 1948, o qual ainda hoje funciona surpreendentemente bem para, por exemplo, separar as falsificações dos factos. A fórmula é: «Quem diz o quê, em qual canal, para quem e com que efeito».


QUEM? Ao respondermos à pergunta «quem» o disse, desviamos a nossa atenção para o emissor. Lasswell chamou a isto «análise de controlo»: Quem está a falar? Qual é o seu objetivo? Quem são os seus aliados?


O QUÊ? Olhando para «O que» está a ser dito, damos atenção à mensagem (a «análise de conteúdo»). Para identificarmos o objetivo por trás da mensagem, podemos, por exemplo, perguntar: «Como estão as mulheres ou as pessoas de cor representadas? O que é que os termos da frase implicam?»


QUAL? Respondendo à pergunta «qual canal», fazemos uma «análise de meios de comunicação»: «Por que razão estão a usar este canal? Como é que o podem pagar? Quem pagou por ele?»


PARA QUEM? A «análise da audiência» pode, por exemplo, revelar algo sobre o objetivo do emissor: «Por que razão estão a falar especificamente para estas pessoas?»


COM QUE EFEITO? Com a «análise de efeito», perguntamo-nos como é que o público reagiu e o que é que isso nos diz sobre o emissor.”



Neste contexto vale a pena conhecer a iniciativa Verified que, com impulso das Nações Unidas, foi lançada durante a pandemia mas que continua muito ativa.


Um dos apelos que é feito é que sejamos muito mais cuidadosos com o que partilhamos ou “gostamos” nas redes sociais. Sugere-se, antes de republicar qualquer notícia que vemos façamos cinco perguntas:


1. Quem escreveu isto?

2. Qual é a fonte?

3. De onde é que isto surgiu?

4. Porque está a partilhar isso?

5. Quando foi isto publicado?


Sugere-nos também três momentos a cumprir:


1. Parar: interromper a nossa resposta emocional

2. Pensar: Respirar fundo. Ativar o pensamento crítico.

3. Partilhar: não partilhe se não confia




Não se fala de outra coisa... (Chat GPT)


Vai estando sistematicamente “em baixo” de tantos milhões de acessos simultâneos que se vão gerando. A Inteligência Artificial ocupou definitivamente o topo da discussão na esfera pública, com o exemplo do “Chat GPT”, da OpenAI. Já experimentou?



Confesso que ultrapassou tudo o que imaginava ser possível nesta fase da Inteligência Artificial. Ter acesso a um software que “conversa” comigo, respondendo de uma forma inteligível a (quase) todas as perguntas sobre temas pré-2021.


Fui testando vários temas e percebendo que, em geral, a qualidade das respostas e a qualidade relacional já evidente é muito boa. Embora sabendo que se trata de um modelo experimental, sabemos que tem capacidade de “aprender” e que o fará tanto mais quanto for usado, o que projeta, para os próximos anos, desenvolvimentos inimagináveis.


Claro que uma das áreas mais afetadas será a Educação. Para escrever este artigo fui conversando com “ele” (ou será “ela”)? Perguntei-lhe inicialmente sobre qual seria o impacto da IA na educação. Respondeu-me (em português) literalmente:

A inteligência artificial tem o potencial de transformar a educação de várias maneiras, tais como:

  • Personalização: os sistemas de IA podem analisar dados sobre os estudantes e personalizar o conteúdo e o ritmo de ensino para atender às necessidades individuais.

  • Feedback imediato: os algoritmos de IA podem avaliar o desempenho dos estudantes em tempo real e fornecer feedback instantâneo para ajudá-los a melhorar.

  • Aprendizado automático: os sistemas de IA podem aprender com os estudantes e adaptar o conteúdo e o ensino para melhor atender às suas necessidades.

  • Monitoramento e diagnóstico: os sistemas de IA podem monitorar o progresso dos estudantes e identificar problemas de aprendizagem precocemente.

  • Tutoria: os sistemas de IA podem fornecer tutoria personalizada para ajudar os estudantes a aprender por conta própria.

  • Acesso ao ensino: os sistemas de IA podem ajudar a ampliar o acesso ao ensino de qualidade, especialmente em áreas remotas e de baixa renda.

No entanto, é importante notar que a IA não é uma solução mágica para todos os problemas da educação e é importante considerar as possíveis implicações éticas e de privacidade ao usar tecnologias de IA na educação.


Prossegui a conversa, perguntando “E como lidar com os medos dos professores face à inteligência artificial?”. Num segundo, o ChatGPT responde:


Alguns professores podem sentir medo ou preocupação em relação à inteligência artificial (IA) e seu impacto na educação, pois podem temer perder seus empregos ou se sentir ameaçados pela tecnologia. Algumas maneiras de lidar com esse medo incluem:

  • Forneça informações e treinamento: Forneça informações precisas e atualizadas sobre o uso da IA na educação e ofereça treinamento para os professores de como usar essas ferramentas. Isso ajudará a dissipar mitos e medos infundados.

  • Envolva os professores no processo de desenvolvimento: Permita que os professores participem do processo de desenvolvimento e implementação das ferramentas de IA. Isso os ajudará a se sentir mais envolvidos e investidos no processo e dará a eles a oportunidade de fornecer feedback valioso.

  • Enfatize a complementariedade: É importante enfatizar que a IA é uma ferramenta complementar e não substituta para os professores. Os professores ainda são essenciais na educação e a IA pode ser usada para melhorar e apoiar seu trabalho, e não para substituí-los.

  • Mostre exemplos de sucesso: Mostre exemplos de como a IA tem sido usada com sucesso em outras escolas ou instituições educacionais. Isso ajudará a ilustrar como a tecnologia pode ser benéfica e fornecerá inspiração para os professores.

  • Crie uma cultura de inovação: Fomente uma cultura de inovação e experimentação dentro da escola, onde os professores sintam-se animados e encorajados a experimentar novas ferramentas e metodologias, incluindo a IA.


Mas era necessário colocá-lo em “xeque”. Pergunta seguinte: “Quais são os potenciais impactos do ChatGPT no ensino formal?”


Os potenciais impactos do ChatGPT no ensino formal incluem:

  1. Auxílio na criação de conteúdos educacionais: o ChatGPT pode ser usado para gerar textos, questões de prova e outros materiais educacionais de alta qualidade.

  2. Melhoria da interação entre alunos e professores: o ChatGPT pode ser usado para criar assistentes virtuais que podem ajudar os alunos a compreender melhor o conteúdo e a se comunicar com os professores.

  3. Personalização da aprendizagem: o ChatGPT pode ser usado para criar programas de ensino personalizados que se adaptam às necessidades individuais dos alunos.

  4. Aumento da eficiência do ensino: o ChatGPT pode ser usado para automatizar tarefas educacionais, como correção de provas, o que pode permitir que os professores tenham mais tempo para se concentrar nas tarefas mais importantes.

  5. Melhoria da acessibilidade: o ChatGPT pode ser usado para criar programas de ensino acessíveis para pessoas com necessidades especiais.


Esta resposta não me satisfez pois só considerou impactos potencialmente positivos. Voltei à “carga”. “E impactos negativos?”.


Alguns potenciais impactos negativos do ChatGPT no ensino formal incluem

  1. Substituição de professores: o uso excessivo do ChatGPT pode levar à substituição de professores por computadores, o que pode afetar a qualidade da educação e criar desigualdades sociais.

  2. Falta de interação humana: o ensino baseado em computador pode faltar de interação humana importante entre professores e alunos, o que pode afetar negativamente o desenvolvimento social e emocional dos estudantes.

  3. Falta de flexibilidade: o uso excessivo do ChatGPT pode levar ao ensino rígido e pouco flexível, já que os computadores podem ter dificuldade para lidar com situações imprevistas e questões fora do escopo do programa.

  4. Dependência de tecnologia: o uso excessivo do ChatGPT pode levar a uma dependência excessiva da tecnologia, o que pode causar problemas se a tecnologia falhar ou não estiver disponível.

  5. Problemas de privacidade e segurança: o uso do ChatGPT para armazenar e processar dados pessoais dos alunos pode levar a problemas de privacidade e segurança, se os dados não forem protegidos adequadamente.

Espírito crítico em relação a si próprio? Sim, é o caso.


A conversa continuou (e vai continuar) mas para aqui já chega. Estaremos provavelmente perante uma revolução tão significativa quanto foi a Internet em si mesmo.


PS: no final da “conversa” mantive o registo do humano e disse: “Obrigado!”. Ele respondeu-me: "De nada! Fico feliz em poder ajudar. Se tiver mais alguma pergunta, não hesite perguntar".


A memória dos Contos Ubuntu


Nestes anos temos vivido momentos extraordinários. Um deles, que recordamos hoje, foi o espetáculo de Contos Ubuntu, no Ubuntu Fest em Coimbra, em 2021, com François Vallaeys que, como sempre, nos reabre portas e janelas.



Provavelmente desde que nos encontramos como humanos, contamos histórias. Ainda não tínhamos palavras e já nos desenhávamos. Ainda não sabíamos escrever e já nos descrevíamos. Por isso, ser humano é, também, uma arte de contar e acolher histórias. De as ouvir atentamente, de as olhar com deslumbre ou de as sentir com deleite. Em certa medida, somos gerados pelas histórias que nos habitam. Criador e criatura trocam de pele, nunca sabendo onde acaba um e começa outro. Produzimos histórias e as histórias produzem-nos.


Fruto da imaginação ou da memória, verdadeiras ou nem por isso, fomos então forjando e entrelaçando narrativas que captavam a atenção e abriam sorrisos. Sobre tudo e sobre pequenos nadas, encadeamos ideias e acendemos fogueiras. Dentro de nós e para nos reunir à sua volta. Talvez por isso, como Galeano contava no seu Livro dos Abraços, vistos do céu, somos um “mar de fueguitos”, de todos os tamanhos e intensidades. Brilhamos uns para os outros, também através do que contamos. Por isso, contar é sempre uma relação, o que fundamenta a centralidade das historias na filosofia Ubuntu.


A arte de contar acolhe todos os mitos fundadores e sustenta os símbolos que nos inspiram. Gera um poder que ora encanta poderosos, ora os atemoriza sem dó. É certo que as palavras só conseguem contar parte. As imagens e os sons, os gestos e os silêncios, vão muito para além delas. Mas que ninguém despreze o poder da palavra contada. Ela levanta multidões e desperta utopias. Faz antever mundos (im)possíveis e alimenta o movimento perpétuo de busca de sabedoria.


Esta coleção de contos a que François Vallaeys dá vida neste espetáculo (reunidos também no Livro “Contos Ubuntu”) é, na verdade, uma preciosidade. De múltiplas fontes culturais, estes contos foram escolhidos, adaptados e contados com inigualável arte e engenho. Esta escolha não foi inocente, nem ocasional. Podia ser outra, claro. Mas esta reflete o olhar do contador e a sua arte para nos desenhar caminhos.

Os contos escolhidos refletem desde a fina ironia ao humor cáustico; da ternura suave à inquietação desconcertante. Alinhados com os pilares do método Ubuntu – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço – servem, no entanto, mais para lançar perguntas do que para fechar respostas. Prestam-se a interpretações várias. Não se obrigam a uma só “moral da história”. São janelas por onde sair, ao invés de molduras para nos limitar. Acima de tudo, dão-nos ar e asas para voar. E, se assim é, espera-se que possam ser ferramenta e combustível. Que com eles cada um are o solo de sua consciência e coloque em marcha o motor da sua vontade.


Os contos falam-nos também do contador. É ele que lhes dá vida e os retira da penumbra. Neste caso, mostram-nos alguém muito especial. François Vallaeys é mestre nas pontes que faz entre a sua paixão pela filosofia e a sua arte de contar. Sempre à margem do “academicamente correto”, liga a erudição académica com o compromisso social, através do ensino da responsabilidade social universitária, mas salta, sem medo, para o palco dos contos e do contar. Explora, com perícia e competência, essa ousadia cultural que não o atemoriza. François é, acima de tudo, um ser livre. De uma profundidade que nunca abdica, mostra-se como é: provocador, culto, inteligente, desconcertante. É possível amá-lo ou detestá-lo. Impossível é ser-lhe indiferente. Nós, claro, percebe-se bem qual foi a nossa opção.


(texto adaptado da introdução ao livro “Contos Ubuntu”, que contou também com as ilustrações de Marta Marques)



A sociedade bodexpiatória


Li recentemente, na Revista do Expresso, este artigo de Luís Pedro Nunes. Creio que é essencial partilhá-lo convosco, citando-o com a devida vénia, a bem do “serviço público”.



(Expresso, 13.1.2023)


SABEMOS E APONTAMOS O DEDO AOS CULPADOS DE TODO O MAL. SE SÃO OU NÃO MESMO CULPADOS, POUCO INTERESSA


Tendemos a pensar em nós como “pequenos deuses”, ao ponto de imaginar que “todos os nossos desejos dependem de nós e não são produto de outros sobre nós. E quando a coisa não corre como esperado, o mais natural é que a culpa não seja nossa, mas desses outros”. Os humanos têm um formidável mecanismo de “transferência de culpa” que os mantém de consciência limpa, como indivíduos, e coesos, como grupo. A este mecanismo chamamos simplesmente “bode expiatório”, e até parece que é uma coisa rara, que acontece de vez em quando, e que pertence aos livros de História. Erro. A nossa sociedade foi fundada, existe e sobrevive com base na figura do bode expiatório. Hoje, mais do que nunca. No dia a dia.


A expressão “bode expiatório” surge do livro do Levítico do Antigo Testamento, onde se conta que no Yom Kippur, Dia da Expiação, os hebreus apartavam dois animais do rebanho. Um deles era sacrificado e o outro largado no deserto depois de o sacerdote ter confessado os pecados do povo de Israel sobre a sua cabeça, purificando assim toda a comunidade. O desgraçado do bode, que não tinha culpa de nada, expiava o pecado de todos. Daí, a expressão.


Este mecanismo de criar um bode expiatório está presente em toda a civilização, quer a nível individual quer a nível grupal, e tem sido amplamente estudado desde os anos 40 pela antropologia e pela filosofia enquanto interpretação da cultura humana. As pessoas criam um bode expiatório quando “há uma verdade fundamental que não querem aceitar, e por isso um bode expiatório tem um propósito muito específico. Uma pessoa ou a sociedade pode transferir a culpa, e ao exilar essa ‘causa’, imaginar que as razões dos seus problemas terminaram. Fazemo-lo porque produz um sentido catártico de alívio ou cura. Alguém tem de pagar, se é ‘culpada’ ou inocente é irrelevante”, diz Luke Burgis, que escreve sobre estes assuntos. Criar um bode expiatório faz-nos sentir bem porque é um modo de nos protegermos do sofrimento. Alguém vai pagar o preço dos nossos pecados, das nossas fraquezas. O bode expiatório é também uma forma de “criar identidade”.


Ora, tendo isto em conta, saltam-me à mente casos da História que vão da crucificação de Jesus ao Holocausto dos judeus na Alemanha nazi, mas ocorre-me também a matança da Páscoa de 1506, em que uma multidão perseguiu e matou em Lisboa milhares de judeus acusados de serem a causa da fome e da seca que assolavam o país. Também as caças às bruxas (“verdadeiras” ou figurativas) ao logo dos tempos foram modos de encontrar um bode expiatório.


O que talvez tenhamos mais dificuldade em compreender é que todos nós, de alguma maneira, funcionamos, mesmo que a um nível micro, dessa forma. Passamos a vida a projetar nos outros culpas injustificadas. Em pequenos eventos do quotidiano. No trabalho. Em discussões familiares. Em análises políticas em que seguimos os maiores produtores de bodes expiatórios: os líderes políticos — a culpa é dos patrões ou dos imigrantes. A “bodexpiação” é o composto de onde cresce a discursividade política extremista colhida das polémicas de raiva e ódio que constituem o discurso das redes sociais. O Twitter é uma fábrica de bodes expiatórios em que os diferentes lados de barricadas apontam nomes, raças, tipologias, profissões — o que seja — como culpados, como sementes dos males do mundo e do seu dia. E como esta coisa do bode expiatório sempre necessitou do chamado “desejo mimético” para crescer, as redes são hoje o local ideal para, de repente, a tal “cultura de cancelamento” de todos os sectores da sociedade batizado com vários nomes não seja mais do que a amplificação de microbodes expiatórios.


Nas palavras de uma psicanalista jungiana: “O que a maior parte das pessoas não percebe é que estão a tentar expelir alguns dos seus sentimentos ao passá-los para os outros.” O bodexpiatorismo é hoje descrito como “um mecanismo de defesa. Uma estratégia inconsciente que muitas vezes reflete sentimentos dos próprios, que demonstram estar a lutar financeiramente, ou em relações falhadas, ou aterrorizados em perder o controlo, e por isso inconscientemente utilizam este instrumento para se defenderem”. Já os grupos de ódio exploram a suscetibilidade. O bodexpiatorismo não só é catártico como dá um “sentido de virtude” ao escolher os outros como “maus” ou inferiores. O que pode levar à justificação da violência. A violência racista é assim vista como sendo um ato de autodefesa, em vez daquilo que verdadeiramente é: um ato de puro e imperdoável racismo. O que hoje chamamos “sociedade polarizada” não é mais do que uma sociedade “bodexpiatorizada”. De um lado e de outro, todos os culpados estão assinalados. Só falta enviá-los para o deserto.


É assim que a extrema-direita e os movimentos populistas e as teorias da conspiração têm hoje uma capacidade de atração que à superfície parece incompreensível, e que não é captável nas sondagens. O mecanismo de bode expiatório é o grande albergue dos partidos extremistas, onde não há medo de se apontar dedos e prometer a ação que nos salvará. Mas este é um ato grupal. A expiação tem de ser levada a cabo pela multidão: banir o culpado (o negro, o cigano, o gay, o elitista) para assim o castigar. Mas se me vierem perguntar, pessoalmente serei incapaz de admitir que sou essa pessoa. Nós somos pequenos deuses que não cometemos injustiças.


Em que gastamos tempo na vida?


Sendo o bem mais escasso e não passível de expansão, vale a pena rever como gastamos o tempo. Um trabalho do Our World in Data mostra-nos informação interessante.



Em Dezembro de 2020, Esteban Ortiz-Ospina, apresentava um importante estudo de como ao longo da vida vamos gastando um nosso tempo, tendo como referência os americanos. Começando pela evolução ao longo da idade temos:


Diz-nos o estudo que “com quem passamos o tempo evolui ao longo das nossas vidas. Na adolescência passamos mais tempo com os nossos pais, irmãos e amigos; à medida que entramos na idade adulta, passamos mais tempo com os nossos colegas de trabalho, parceiros e filhos; e nos nossos últimos anos passamos cada vez mais tempo sozinhos. Mas isto não significa necessariamente que estamos sozinhos; pelo contrário, ajuda a revelar a natureza complexa das ligações sociais e o seu impacto no nosso bem-estar.”


Numa outra referência comparam-se os diferentes países, considerando o tempo de trabalho remunerado, o sono, o trabalho voluntário/não remunerado, o tempo de cuidado pessoal, as refeições e o tempo de lazer. Portugal surge na lista.



No que respeita ao tempo dedicado ao trabalho, Portugal surge em 6º lugar depois do Canadá e antes dos Estados Unidos. Se considerarmos os países da U.E. só somos ultrapassados pela Áustria. O que significa que em Portugal se trabalha muito, colocando-se, claro, a questão da (baixa) produtividade (riqueza produzida por hora) comparando com outros que trabalhando menos, são mais produtivos. Questões de gestão empresarial? De organização? De modelo económico?


Num outro registo, destaca-se pela negativa o 4º valor mais baixo na categoria de trabalho não pago, onde se inclui o voluntariado. Já no que dedica ao tempo dedicado ao trabalho doméstico e compras, estamos em 2º lugar, depois do México, e somos acompanhados pelos nossos vizinhos do sul da Europa na liderança da tabela.


Com dados de 2020, no que se refere a tempos dedicados à leitura, Portugal tem valores sofríveis, em comparação com os restantes países.


Finalmente, uma última referência, claramente positiva e esperançosa, tem a ver com o tempo que os pais passam com os filhos. Quase todos os países para os quais o estudo reuniu informação, entre 1965 e 2010 subiu significativamente o tempo dedicado aos filhos, quer para mães, quer para pais, mantendo-se porem sempre uma maior dedicação por parte das mães.



E se depositar uma moeda? Este nosso encontro mensal vai gerando muitas reações dos leitores e vão chegando também sugestões. A partir deste mês, incluirei sempre uma sugestão que me chegue, vinda desse lado. A primeira é de Ana Cristina Carpentier e, inspirada pela temática da 9ª Sinfonia de Beethoven, mostra-nos o poder – metafórico - de dar uma moeda. O que aconteceu quando (nos) damos é sempre extraordinário...



 

Hoje mesmo, dia em que vos chega esta newsletter, estaremos a celebrar o Encontro Nacional de Escolas Ubuntu. Para o próximo mês trarei ecos. Entretanto também darei notícias do Quénia, onde estarei nos próximos dias, em missão Ubuntu / GovInt, com o projeto Go Blue, nas próximas semanas.


Que o vosso ano vá começando bem e até 22 de fevereiro!

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